.
.
MAIS
CATEGORY
Raquel S.
— dramaturgista —
Que dança é esta que estas pessoas dançam, que parece tão familiar e, ao mesmo tempo, tão distante? A música casa com o movimento? Porque é que estão todos tão felizes? Porque é que as mulheres ficam de um lado e os homens do outro? Não se cansam? Será que nunca vão largar as mãos? Porque é que batem palmas? Porque é que fazem todos os mesmos movimentos? Ninguém quer fazer nada diferente? Isto é uma festa de aldeia? Porque é que isto faz pensar em bailes, em aldeias? Quantos anos têm estes gestos, estes passos? Ninguém rompe a coreografia? Porque é que, mesmo estando todos tão contentes, alguma coisa parece estar errada? O que é que está errado? A música ficou mais alta agora? Ficou mais escuro agora? Porque é que isto faz pensar em discotecas, em engates, em álcool? Porque é que voltam a dar as mãos quando se soltam? Não têm medo, quando deixam de seguir a coreografia? Não se cansam? O que é uma variação? Porque é que a mulher não vai embora? Porque é que os deixam sozinhos? Porque é que a mulher não grita? Porque é que ninguém grita?
O que significa um pano vermelho? Quão devagar pode cair um corpo? De onde vêm estes corpos meios despidos, o que é que os deitou fora, para onde vão? São sempre os homens que fodem as mulheres? Também há mulheres a fazer-lhes o mesmo? Quando diferentes corpos fazem a mesma coisa ficam iguais? Os mesmos gestos e os mesmos tempos igualam as diferenças? Têm todos os mesmos corpos? Será que isto são tudo lutas, combates multiplicados até ao infinito? Ou um combate só que provoca as lutas todas? A roda da fortuna é um círculo invisível? São as mesmas três irmãs que cortam os fios dos humanos e dos deuses? De quem é a vida que elas cortam agora? Porque é que são mulheres que decidem o comprimento do fio? Porque é que estes homens não olham para trás? São homens? A cena muda quando muda o figurino? Quantas pessoas estão em palco?
As moedas caem em vez dos corpos? Porque é que um corpo morto cai silencioso? Porque é que as quedas são tão silenciosas, porque é que o abismo não faz barulho? Porque é que são consecutivas? Para onde se cai? Porque é que não acaba? Porque é que tudo continua para sempre?
Porque é que se repete um figurino? Porque é que um gesto só se explica quando voltamos a ele? Há várias rampas ou há só uma em que se dança, multiplicada até ao infinito? A dança é a mesma, se a roupa muda? Que festa é esta? Para que servem estes passos, estes gestos? Será que a violência sexual é um ritual como esta espécie de farândola? Um ritual, um conjunto planeado de gestos multiplicado até ao infinito por quem? Porque é que as mulheres ficam de um lado e os homens do outro? Como é que se decide que o espectáculo acaba?