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Diogo Sottomayor
— Transformador de sensações em gotas de tinta —
“Era cromada e preta a bicicleta,
trazia um laço largo no volante circulando
o Natal e rodas generosas
como parecia o mundo”[1]
Yoann Bourgeois propõe o desafio de desafiar a gravidade. Seis bailarinos tentam manter a ordem numa plataforma que roda, balança e se eleva. Plataforma que se torna o cenário principal e que pode representar o mundo e as respectivas transformações do sujeito que vive em sociedade. Plataforma que roda como o mundo, é flexível, e na qual todos tentam sobreviver às suas regras.
A semiótica desta instalação leva-nos a meditar sobre o nosso papel em sociedade nas vertentes do “eu” e do “eu com os outros“. Nesta perigosa dança de sobrevivência, a sincronia e o equilíbrio são rainhas e senhoras destes 65 minutos de instabilidade constante. Os bailarinos têm de aprender, e apreender com as sensações corporais, os seus pontos de equilíbrio, sacrificando a liberdade dos seus movimentos em prol do equilíbrio de todos.
“As leis são as condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade tornada inútil pela incerteza de ser conservada. Eles sacrificaram parte dela para gozar o restante com gozo e tranquilidade. A soma de todas as parcelas de liberdade sacrificadas ao bem de cada um constitui a soberania de uma nação, e o soberano é o seu legítimo depositário e administrador”[2]
A força e perícia dos movimentos são catarse para o nosso papel enquanto membros das nossas micro-relações sociais. Até onde vamos pelo outro? O que estamos dispostos a deixar? Quanto de mim estou disposto a dar em prol do bem comum?
Este espectáculo não é apenas um cruzamento do novo circo, da acrobacia e da dança contemporânea. Ele é reflexão profunda sobre o viver em sociedade, tema tão discutido nos dias que correm e que tão pouca concordância tem suscitado.
No final não podemos deixar de ser afectados pela gravidade. Quando eles tentam permanecer pendurados na plataforma – uns mais tempo do que outros –o resultado sempre o mesmo: acabam todos por cair. Mostrando assim, em corpo, naquele espaço, naquele tempo, que a força da individualidade apenas se fortalece em grupo. Sozinhos... Somos apenas corpos que caem.
Fotografia © José Caldeira
[1] Ana Luísa Amaral – What’s In a Name, no poema “Aprendizagens” (1-4).
[2] Cesare Beccaria – Dos delitos e das penas