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Vera Santos
— Bailarina nascida no Porto, com formação em dança, teatro, história e crítica de arte. —
Desafiaram-me para durante esta edição do Festival DDD escrever algo que não fosse uma crítica sobre os espetáculos “A perna esquerda de Tchaikovski” da CNB com texto e direcção de Tiago Rodrigues, “Projecto Espiões” de Filipa Francisco com Francisco Camacho, Miguel Pereira & Sílvia Real e “Auto-intitulado” de João dos Santos Martins & Cyriaque Villemaux.
Em duas das peças acima referidas, a memória escrevia-se a giz num quadro negro, que se apagava e se reescrevia, e isso era dança: ora de uma memória explicada à nossa frente, ora de uma private dancer na nossa cabeça. No baú da Nova Dança lá estava a Paula.
Na terceira das peças, o “quadro negro” era branco, o “giz” os próprios corpos e a dança transcrevia-se à nossa frente, num jogo tácito de escreve-escreve.
Memória e seleção, são processos da existência. Não esquecer. Escolher o que esquecer, esquecer sem querer. Do todo, contar parte, inventar outra parte. O próprio corpo ajusta-se ao membro amputado, ora como se ele nunca tivesse existido, ora como se fosse perfeito. Também a crítica no quadro do presente se apaga ou se reescreve.
Na véspera do Dia Mundial da Dança ouvi na rádio a Vera Mantero dizer: - A dança é sempre a pior forma de arte para passar qualquer coisa. Eu farto-me, enquanto coreógrafa e bailarina, farto-me de me debater com isso. Ela que criou e interpretou peças como “Talvez ela pudesse dançar primeiro e pensar depois” (1991), “Olympia” (1993), “Vamos sentir falta de tudo aquilo de que não precisamos” (2009) ou “Os Serrenhos do Caldeirão, exercícios em antropologia ficcional” (2012).
Terminado o DDD que memória fica em nós, espetadores circumnavegantes?
Em mim, corpos de gente de pé a aplaudir o que ainda nem bem acabara ou sequer se instalou, mas talvez isso o esqueça e só guarde o “afinador de pianos” que dançava infinitamente com os dedos e com o olhar, que decerto fez entrar o seu calcanhar de Aquíles pelos ouvidos sem se regozijar ou lamentar disso.
Daqui a uns anos, hei-de jurar que o mar jorrou das bocas da Cláudia Dias e do Luca Bellezze porque não há palavras, não há corpo possível para o esquecimento – a não ser pela própria impossibilidade - é gritante. Bang-bang.
E da dança, que memória quando da dela se guarda o que se faz, o que se sente e raramente o que se vê?
A sequência de passos repetida até ser do corpo e não se pensar, as escritas cifradas, as aprendizagens que se instalam no corpo e no modo. E o corpo vai cicatrizando. Como as cidades. Vamos envelhecendo e vamos procurando o nosso património de referências. Vi dança que se faz com a memória pessoal, outra com as referências do passado mas a que mais me impressiona é sempre a que consegue ser presente e visionária.
Como os eternos e irrepetíveis 4´33 retirados à existência por John Cage.