Conversa #2 – Festivais daqui para a frente
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2022

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Conversa #2 – Festivais daqui para a frente
DR

Samuel Silva

— Jornalista —

Com: Drew Klein, Olga Drygas, Piny 

Moderação: Cristina Planas Leitão 

Provocação artística: Idylla Silmarovi

 

Segunda conversa online do ciclo de encontros promovido pelos festivais DDD e Panorama em torno do futuro dos festivais. Depois de duas conversas digitais (nos dias 4 e 13 de Abril), esta reflexão prosseguirá de forma presencial, nos dias 28 e 29 de Abril, no Porto, durante o festival DDD 2022.

 

No final da “provocação” com que abriu esta conversa, a performer Idylla Silmarovi lançou um desafio: colocar na boca uma folha com o mapa mundi impresso, mastigá-la e depois olhar novamente a imagem. “Talvez com as fronteiras borradas, molhadas com a nossa saliva, a gente possa representar a questão da sustentabilidade de modo bem mais incisivo e certeiro”, apontou.

A performer e investigadora brasileira partiu de uma reflexão sobre a herança colonial – “As artes produziram uma fronteira”, disse – para colocar a questão fronteira no centro da discussão deste segundo encontro promovido pelos festivais DDD e Panorama.


O caminho para pensarmos festivais sustentáveis passa por “desmanchar as fronteiras”, não só as que “separam o eu do outro”, mas também as que impedem “a conexão dos povos com a terra", propõe Silmarovi.


“As fronteiras esbateram-se”, ouvimos mais do que uma vez ao longo deste encontro. Desde logo, as próprias fronteiras geográficas mundiais. A propósito, a co-directora do DDD, Cristina Planas Leitão, salientava que na edição deste ano do festival não consegue “dizer verdadeiramente o que é local e internacional”, ao passo que Olga Drygas fazia notar que uma das grandes preocupações do Nowy Teatr, que dirige em Varsóvia, na Polónia é “quebrar as regras” sobre o que é ser Ocidental ou do Leste Europeu, num país ainda muito marcado por essas categorias.


A performer Piny colocou a tónica noutras fronteiras: as que se estabelecem dentro de uma mesma sociedade, dentro de uma mesma cidade. E que são, acima de tudo, resultado das desigualdades económicas e sociais.


“Falar de local e internacional” é uma conversa, desde logo, reservada “a uma elite”, afirmou, notando como nas cidades há pessoas, sobretudo nas suas periferias, “que não saem do seu lugar”, da mesma forma como “há muitos artistas que não viajam” – “Eu sou super local porque não tenho dinheiro para viajar ou ir regularmente ao centro da cidade”, sintetizou.


Piny ajudará a trazer o voguing e também as danças urbanas e orientais para o programa do DDD 2022. A partir dessa experiência, refletiu-se também sobre o que significa esbater as fronteiras entre as várias danças que podem caber num festival de dança contemporânea.


É uma outra fronteira que se rompe, como pode ser, num tempo mais ou menos próximo ao nosso, a da tecnologia, lembraram Nayse López e Marlon Barrios Solano, que também participaram na conversa, citando tecnologias como o Blockchain ou a emergência do Metaverso, com os quais as artes acabarão por ter que, se não migrar, pelo menos dialogar.


Voltando à “provocação” inicial – e porque este ciclo de conversas tem a sustentabilidade como pano de fundo – Idylla Silmarovi vincou uma ideia que já tinha perpassado a primeira conversa: falar de sustentabilidade implica “trazer questões que vão para além do consumo de combustíveis fósseis ou do plástico”.


A conversa caminhou, por isso, também no sentido de debater a sustentabilidade dos modos de produção actuais nas artes, com o financiamento que está quase sempre associado à nova produção e um sistema de grandes festivais que “induz um mercado de estreias”, como afirmou Cristina Planas Leitão.


Planas Leitão recordou ainda uma ideia trazida pelo artista plástico Roland Gunst na sessão anterior deste ciclo quando lembrou a “paz de espírito” que sentiu nesse momento inicial da pandemia, uma ideia ilustrada com especial acutilância pela expressão “celibato de pensamentos”, usada por Olga Drygas.


Drew Klein, que dirige o festival This Time Tomorrow, em Cincinnati, nos EUA, defendeu uma ideia que já se tinha tornado familiar na primeira conversa deste ciclo: a de que, com a pandemia, muitas pessoas reconsiderou a sua forma de existir no mundo. Uma mudança fundamental “parece mais possível agora do que há quatro ou cinco anos”, acredita.


Esse é o espírito promissor com que se pode enfrentar o desafio da sustentabilidade para lá das respostas mais simplistas que “muitas vezes promovem a exclusão” (Cristina Planas Leitão) ou fazem apenas greenwashing (Nayse López).


A questão da distância – e, nesse sentido, da necessidade de grandes viagens que implica a circulação dos artistas e das suas obras – “vai estar sempre presente, quer queiramos quer não”, entende Olga Drygas. O desafio a que será necessário dar resposta é se queremos “colocar mais ideias na nossa comunidade”, como é o papel dos festivais, ou “vamos pôr o planeta em primeiro lugar”.


A programadora polaca avançou uma hipótese de respostas, considerando que a emergência que o planeta enfrenta implica “mudar o sistema” mais do que “mudar um festival ou uma instituição”.


Drew Klein pegou nessa ideia para lembrar que o impacto do meio artístico no número de viagens de avião feitas internacionalmente “é tão pequena” que a ação dos festivais e dos artistas e dos festivais, em termos práticos “não importa”.

No entanto, o papel das artes sempre foi o de colocar a possibilidade do “pensamento imaginativo”, criando condições para “normalizar novos padrões de comportamentos e de colaboração entre agentes” que possa “influenciar o pensamento da sociedade” e, dessa forma, contribuir para a mudança necessária.

Conversa #2 – Festivais daqui para a frente
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