NICHT SCHLAFEN: E SE O CORPO NÃO SABE DANÇAR?
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2017

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NICHT SCHLAFEN: E SE O CORPO NÃO SABE DANÇAR?

Cláudia Milheiro

—Psicóloga Clínica e Psicanalista

Foi membro da Companhia de Bailado do Porto dirigida por Pirmin Treku —

Nesta estética com uma original forma identitária, Alain Platel, permite-nos viajar de uma forma intensa e extraordinária de e para um mundo pulsional agressivo onde o "princípio do prazer" e o "princípio da sobrevivência" se alternam e confundem numa corporalidade que toca e, por vezes, repele. Movimentos e gestos, danças e erotismos, tudo parece levar à infinita procura de uma pele que guarde e contenha a inquietação. Em complexos formatos musicais, sons, cantos, silêncios, em uníssono ou não, continua a versatilidade do desejo na heterogeneidade dos elementos do indivíduo e seus mundos. E quando chegamos ao mundo romântico de G. Mahler, possuidor de um virtuosismo musical por vezes de difícil escuta para as sensibilidades da época, escutamos nas suas composições e musicalidades sentimentos como a dor, perda, angústia e solidão em "formatos" socialmente aceites. Mas neste caminho, falhava-se (na época) no corpo, porque não havia como fazer a expressão verdadeira e corporizada do sentir que hoje assistimos num profundo tocar no que mais regressivo ou precoce experienciamos nos afetos e na vida. O autor, nesta coreografia de elevadíssima criatividade, mostra-nos assim, a arte de transformar numa dança os sentimentos até aí não vividos, somando à técnica a problemática dos conflitos internos do homem e as vias de resolução ou não resolução, num caminho introspetivo único. Sendo a arte para Freud a “segunda via do inconsciente” ( pois a primeira seria o sonho), projeta partes de si, o seu universo interior onde se inscrevem os desejos e as pulsões ocultos até agora, em corpos dançantes que tão bem o sabem fazer. Pulsões de vida, pulsões de morte, a vivência psíquica transforma-se em vida. Faz-nos, enquanto público, sentir uma satisfação análoga à do coreógrafo, numa espécie de identificação recíproca, em que esse prazer estético é consentidamente vivido sem culpa e repetido sem limites e sem entraves.

Porquê não dormir? Deseja-se permanecer no sonho acordado, que tudo realiza sem pudor, como uma descida ao recalcado e à fantasia primitiva mas de regresso assegurado, ao envelope estético da dança. Desejos pueris, perversidades, encontros com parcelas de memórias infantis, colos afetivos, o inconsciente tudo permite. Também aí o autor procura a resposta continente e securizante da angústia do desamparo e incomunicabilidade humana.

É esta vivência, insuspeita de erro, intensa de fantasia e de desejos internos relacionais plenamente satisfatórios, que explicam o encanto e o espanto que na função artística do bailado se torna comum a todos e permanece na intemporalidade subjetiva de cada um.

O movimento nasce de e para o corpo, numa imprevisibilidade ao próprio objeto/sujeito, partindo da necessidade corpórea do Ego como uma função estética que protege da destruturação patológica fomentando a coesão interna. Sob a proteção de uma sonoridade única que evoca funções estruturais primitivas da música no ser humano, do seu primeiro mundo, sentimo-nos mais próximos da nossa humanidade.

NICHT SCHLAFEN: E SE O CORPO NÃO SABE DANÇAR?
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