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MAIS
Margarida Almeida
— Artista plástica —
Vera Lu
Um vestido branco. Um gelado.
Um vestido cor-de-rosa.
Um colar de pérolas.
Lara Luz
Uma toalha aos quadrados.
Luvas azuis até aos cotovelos.
Um copo de champanhe.
Tetê Souza
Uma peruca encontrada no armário da cozinha.
Cabelo longo, até à cintura.
Raimunda Flor do Campo
Sapatos. Verdes, vermelhos, azuis, amarelos. Cada par perfilado como flores lançadas à terra.
Um acordeão.
Purpurinas.
Um duche que se toma na rua, a roupa molhada e brilhante.
Em Serenatas Dançadas, assistimos ao retomar da posse dos corpos destas quatro mulheres. Como fazer deles matéria dúctil e serena, como encontrar neles o murmúrio de todos os nossos desejos mais secretos.
Estamos dentro das suas casas. Vemos a presença física dos seus corpos no espaço. Vemos as suas cozinhas, onde as panelas que pendem do teto refulgem à luz que entra pela janela. Vemos os quartos, as fotografias, os santos, as jarras com flores, os calendários de parede e a roupa a secar, no jardim. Conhecemos os seus espaços e conhecemos também as suas ânsias, as músicas que ouvem, aquilo que viveram e que resgatam agora, através do estremecimento do próprio corpo.
Como é belo reautorizar o corpo a movimentar-se da maneira que ele nos pede.
Como é belo reautorizar a dança a habitar o corpo envelhecido, mas ágil, fértil e vigoroso.
A casa torna-se palco, o ambiente doméstico expande-se, abre-se em possibilidades infinitas, e as quatro mulheres metamorfoseiam-se também, embelezam-se, mascaram-se, brincam, experimentam, dançam, fruem a sua casa e fruem o seu corpo, que também é casa, uma casa aberta, que deixa a luz da manhã entrar. Estas mulheres testam os limites impostos para o seu corpo velho, que continua a florescer, num ato de loucura e transgressão, como as flores das roupas que secam no estendal.
Serenatas Dançadas é um manifesto de liberdade e poder. Assistimos à dança destas mulheres sabendo que não é importante a nossa condição de espectador. Porque estas mulheres dançam sem espectador (ou, dito de outra forma, condensam nelas próprias o ato de fazer e o ato de testemunhar). Se de facto se trata de uma serenata, só pode ser uma serenata dirigida a elas mesmas, que movimentam os seus corpos em direção àquilo que pretendem e que desejam. É um trabalho sensual e é um trabalho político – fazer da mulher matéria do seu próprio trabalho, fazer da mulher um espaço ilimitado de experiências do mundo, corpo e dança.