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MAIS
Margarida Almeida
— Artista plástica —
Como se constrói uma casa?
Como se ergue fundação sobre o solo lacerado e colonizado? Quanta vontade é precisa? Quanta madeira, latão, tijolo, corda? É possível encontrar uma forma de resgate, olhar para os objetos tolhidos pelo pó e pela chuva, e fazer deles um alicerce para o futuro?
Os tijolos das casas são vermelhos como a terra sobre a qual dançamos. A dança é uma morada. A dança é uma morada que o corpo escolhe, sem olhar a limites, fronteiras, vedações, muros. A dança é uma casa, é uma ocupação. E infiltra-se nos espaços como vapor. Muda de forma, adapta-se aos interstícios dos lugares mais recônditos, mais esquecidos; desaparece, reaparece (sempre), como gesto revolucionário último.
Como se constrói uma casa?
Com palmas, com música. Porque a música também está no chocalhar dos destroços que os pés pisam e no som que as paredes fazem quando são erguidas do solo. A música está na fala das gentes.
Como se constrói uma casa?
O corpo também é uma casa. E uma casa também é um corpo: vive, lateja e respira. Precisa que dela cuidem.
A dança reativa a habitabilidade que os espaços tecem entre si, restitui à comunidade aquilo que lhe foi roubado, restitui-lhe a presença.
Como se constrói uma casa?
Um pedaço de terra, um pouco de lata, tijolo, uma bandeira de plástico, que esvoaça.
Terra para correr, terra para dançar. Liberdade.
Como se constrói uma casa?
Um grito e duas palavras marcadas a fogo: Fora, Bolsonaro.