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Joana Ferrari
— licenciada em Relações Internacionais. Escreve ficção para se abstrair dos aborrecimentos da vida —
Não tendo experiência alguma em crítica — seja qual for o tipo de arte a avaliar — posso apenas contar o que os meus olhos viram ontem, no Teatro Municipal de Matosinhos. Cláudia Dias conta-nos, através de uma linha branca sobre um chão (ou tela) preto, uma história do que não foi e podia ter sido. Uma ou várias histórias (episódios) de destruição. A história do “não”. A história que não podemos compreender porque não nos aconteceu a nós e não a sentimos na pele. Diria que as personagens principais são Omar e “eu” — o público! A trama são as tragédias distantes que não nos são tão distantes assim e fazem parte de uma história mundial comum. É-nos passada uma mensagem forte que vai crescendo e fazendo mais sentido à medida que a ideia é desenvolvida e os desenhos se vão formando e sumindo do palco. A peça grita “mais tolerância e mais compreensão”, “mais solidariedade e mais amor”, “mais sensibilidade e mais atenção ao outro e a outras realidades”.
O movimento do corpo não me pareceu fundamental, sendo que associo este espetáculo a uma arte perfomativa, sem dúvida, mas não à dança em concreto. O fio branco é, talvez, uma metáfora para os meios de comunicação e a facilidade crescente da comunicação entre os distintos cantos (distantes) do globo e, simultaneamente, para a antagónica dificuldade de compreensão entre esses mesmos pontos — por questões de língua, linguagem, expressão, costumes e mentalidade — e tolerância pouca ou inexistente para histórias e pontos de vista opostos ou simplesmente diferentes dos nossos. A peça fala da história que vem lá detrás, do comunismo russo, por exemplo e vem até aos dias de hoje, com os refugiados que chegam, e os que não chegam — por falta de oportunidade, por acidente, pela morte — à Europa, neste ano de 2017 que, também ele, ficará para a história das gerações vindouras. Esquecemo-nos de que fazemos parte deste mundo e desta atualidade que constrói esta “história feia”: ignoramo-la porque a desconhecemos ou porque é mais fácil fechar os olhos.
A combinação dos desenhos brancos com a produção de sons criados no momento e reproduzidos depois, como os passos, as ondas do mar ou a trovoada, a par das legendas sobre a tela — primeiro laranja, depois azul escura — está muito bem conseguida e inteligível para qualquer público. É um espetáculo simples e forte, feito de materiais e detalhes simples e simbólicos, que atinge com facilidade os corações de quem o vê e sente, depois de alcançar uma mensagem que tem o efeito de lembre- te para tudo o que se passa à nossa volta e nos esquecemos de ver.